Aos seis meses de gravidez, Marisa Rowinski recebeu a notícia que mudaria sua gestação. Mas nem por isso deixou de lutar.

 “Em 2011, estava grávida do Gael, meu primogênito. Com 24 semanas de gestação, descobri que ele tinha uma grave cardiopatia congênita chamada transposição dos grandes vasos da base. Resumindo, as suas artérias do coração eram trocadas. É uma má formação que se dá nas oito semanas iniciais da gestação. Eu recebi a notícia do médico que fez o exame nas seguintes palavras: ‘É incompatível com a vida’. Assim mesmo, sem rodeios, na lata.

Até então, meu marido, que é médico, e eu estávamos nos preparando para um parto domiciliar. Frequentei algumas reuniões no Grupo de Apoio à Maternidade Ativa (GAMA), onde a grande preocupação da maioria das gestantes é se o chuveiro elétrico dá conta do recado durante o trabalho de parto! Mas, a partir da descoberta da cardiopatia, não consegui mais frequentar os encontros. Minha preocupação passou a ser se meu filho sobreviveria. E que situação difícil gerar um bebê que você já sabe que passará por uma cirurgia do coraçãozinho logo ao nascer…

Procuramos os melhores médicos e opiniões e encontrei um ser humano incrível que me disse que Gael poderia (e deveria) nascer de parto normal/natural. As cardiopatias geralmente são descobertas depois que o bebê nasce. Nem todos têm acesso aos exames e médicos experientes neste país, infelizmente. Quando descoberta antes, a cesárea já é agendada. Mas todos os dados indicavam – e continuam indicando! — que para o bebê e para a mãe um parto normal é muito melhor. Éramos nós cinco: meu marido, Betina, a obstetra, Maira, a doula, Dr. José Pedro da Silva, o cirurgião e eu contra o resto do mundo. Bem assim mesmo.

Sofri uma pressão enorme de médicos de diferentes equipes que cuidariam do Gael ao nascer. O diretor do hospital ligou para o meu marido 10 minutos depois que entrei em trabalho de parto pedindo por uma cesárea. Parto sem hora marcada exige disponibilidade. No parto do Gael era preciso que diferentes especialistas estivessem presentes no hospital para recebê-lo ao nascer, por isso a pressão pela cesárea agendada. A própria secretária do médico nos desejou boa sorte no parto normal e falou: ‘Se esse bebê nascer de parto normal, vocês podem publicar em qualquer revista médica’. Fiquei triste e horrorizada no momento, mas eu disse: ‘Aguarde, pois será publicado’.

Nos meses seguintes da gestação, fui me preparando física, emocional e espiritualmente para um parto normal. Conversava muito com Gael na minha barriga, cantava músicas, dizia que enfrentaríamos batalhas, mas sairíamos vencedores!

No dia 24 de agosto de 2011, entrei em trabalho de parto às 15h30. Fomos para o hospital. Durante as contrações, enfermeiras entravam na sala, pressionavam a médica por uma cesárea, um horror. Definitivamente, aquele não era o parto que eu sonhei! Em determinado momento, pedi educadamente que me deixassem parir em paz.

Betina, a obstetra, pediu para que eu estourasse a bolsa para acelerar o processo. Ela me ensinou a força que eu deveria fazer. E eu consegui! Às 19:45, Gael nasceu! Um parto natural de um bebê cardiopata. Pela primeira vez na história um bebê cardiopata nasceu de parto natural. E nasceu muito bem! Lindo, grandão, gritando para todos que ele veio para lutar e vencer!

Mal ele saiu de mim, as enfermeiras entraram gritando: ‘Dá o bebê, dá o bebê, corta logo este cordão’… Um horror! A médica, muito calmamente, colocou Gael no meu colo – eu pedi que me deixasse falar uma coisinha no ouvidinho dele logo que nascesse. E eu tive por volta de 20 segundos para, literalmente, lamber a minha cria e sussurrar ao seu ouvido: ‘Seja forte, meu amor. Tudo vai ficar bem. O meu coração continua batendo junto ao seu, não se preocupe. Enquanto os médicos estiverem “consertando”  o seu coraçãozinho, o meu baterá por nós dois aqui do lado de fora também. Vamos vencer!’ E pronto, arrancaram meu bebê dos meus braços e ele foi direto para a UTI, onde recebeu os primeiros medicamentos preparatórios para a cirurgia.

Horas depois, eu fui liberada para, finalmente, conhecer o meu filho! E da UTI NUNCA mais saí! Não dá para se preparar para ser mãe de UTI. Uma UTI com crianças é uma montanha russa de emoções. Está tudo bem e em dois minutos, está tudo péssimo.

Gael foi o primeiro bebê cardiopata a nascer de parto normal/natural em uma gestação já com o diagnóstico da doença. Ele saiu do hospital com oito dias de nascido! OITO! 99% dos bebês que operam de uma cardiopatia saem com 20, 30, ou alguns meses de operado. Aos três meses de vida, ele não tomava mais nenhuma medicação. Isso também não é comum. Logo ao término da cirurgia, o médico veio me dar um abraço e disse: ‘Parabéns pela sua coragem. Seu bebê saiu da cirurgia com o peito fechado, também incomum nessa situação. Eu olhava para ele e não via motivos para não fechar o peito, pois nunca vi um pulmão tão bom e maduro como o dele. Isso, com certeza, deve-se ao parto natural’.

Quando saímos do hospital, eu prometi para mim mesma ajudar com a minha experiência outras mães em situação semelhante e é exatamente isso que faço. Conversamos por telefone até o bebê nascer, visito na UTI e, às vezes, ganho uma amiga para a vida!”